quarta-feira, 28 de agosto de 2013

38 Apeadeiro 7



38 Apeadeiros 7 – Mano Álvaro, mais casos tipo 38…

As notícias são terríveis, os patrões alemães querem o Partenon convertido em valor moeda no espaço militarizado do Deutches Bank, seguro nos seus cofres-fortes: a pedra grega em que ainda soam as chinelas de Sócrates e o furor dialéctico de Heraclito vale mais que lingotes de ouro apresentados em arranha-céus do mesmo, como se diz do arroz de polvo que o acompanha em prato de auspicioso paladar.
Outra solução, na óptica dos patrões alemães, é os credores montarem o seu negócio directamente na pedra patrimonial, com ocupação do monumento e expropriando o espaço violentamente  com a justificação legal da usura chantagista, verdadeira guerra de saque do vale tudo – não será esta um arma de destruição massiva, destruindo até o que é imaterial e prova de memória, história identitária? O edifício de todos os gregos, o seu símbolo arquitectónico tornado alemão – o que eles roubaram aos gregos não é sequer conhecido, nem reconhecido, na sua extensão. Provavelmente vão montar no local, imaginativos como são, um casino, um negócio de prostituição infantil – o que eles gostam de ir para a Tailândia...
Já outros vendiam os restos da cruz de Cristo – oh, querido lenho santo que as minhas mãos tocaram para sempre - merchandising d’época (indulgências…) e traziam relíquias infindáveis do Santo Sepulcro, fragmentos do lenço de Madalena arrependida e mesmo gotas de sangue das mãos crucificadas com selo de qualidade genética reconhecida. Essa gota são gotas, tal foi a sua reprodução na região demarcada – estas coisas ganham logo um fulgor industrial e estas cabeças não prestam para mais nada, ou reprimem e matam, assassinam em massa, ou imaginam dinheiro a fazer dinheiro.
Nessa altura de outras cruzadas a coisa era cómica, e trazer um pedaço de lenho sagrado da terra santa uma aventura romanesca a cumprir por desertos e terras de infiéis. Agora não, é a sério. É um tal Ulrich Grilo, patrão dos patrões alemães que o propõe. Estes tipos não brincam, em tempos construíram e fizeram construir campos de concentração. Agora querem fazer dos países devedores falanstérios, amontoados humanos, zonas de concentração de um novo tipo de ser humano: o homo devedor. Só à uma solução: impedi-los. Seja como for. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

38 Apeadeiro 5 e 6



38 Apeadeiro 5 - ovos vivíparos


Mano: estou sempre a rondar os 38, vieram para ficar. É uma febre baixa como o voo do crocodilo – o crocodilo não tem febre, tem painéis solares, pode febrar tudo por fora e por dentro é frio, de sangue frio (a falta que isso faz com este calor). Mas vive-se com ela, que remédio, não é! E é isso: 38 por fora e por dentro, crise interior/exterior. E dá o quê? Moleza, horizontes menos alcançáveis e presente eternizando chato, pedra permanente no sapato, dislexia gestual, esquecer-me das mãos em casa como já me aconteceu. Sim, fui à bruxa – bruxa nos Açores é cavaco e come-se, é uma lagosta do cretáceo, cavaco cá é presidente e costuma lagostar no Reino dos Boliqueimes, Alcavacos.

Incubar gostava, mas não incubo, não incubo porque semeei ideias frescas numa cultura verde de inteligência artificial, em alvéolos bio-electrónicos no seio (no seio é bestial) de um extraordinário ambiente de vistas artificiais, a preto e cores, tipo silicon valley (a 3D e a 38B), com sol filtrado do sul e o que deu? Conselhos para praticar uma dieta mediterrânica com azeite feito na Suécia… azeite de neve. A inteligência artificial é como o Google translater, metes lá a palavra qualquer e sai em russo retranka.

Mas acho bem a do TNDM/Aviário. Depois dos pastéis de Belém a relançar o país na era pós repós industrial – a marca é tudo e os pastéis a verde/rubro seriam o bem transacionável por excelência a dobrar os novos cabos da boa esperança dos mercados off e in shore – instalar uma produção de ovos no palco da Dona Maria seria excelente. Ovos falantes, ovos com memória textual digitalizada, ovos mais que vivíparos, ovos poseurs, ovos de camarim, ovos capazes da quadratura do círculo dramatúrgica e de, simultaneamente, expelir um fogo que trouxesse escrito no clarão expelido em placard virtual fogo-galáctico: a crise é uma questão de feitio. O que achas? Outra questão: que fazer das claras?

Pois, o Palácio da Ajuda, vulgo Sopa (ajuda) dos pobres, fica para um dia destes.



38 Apeadeiro 6 - O futuro encontra-se nos Ovos 


(L’avenir est dans les oeufs) dizia o nosso colega, também apátrida, aquele de origem romena... peça essa que era uma suite, alias, de Jacques ou la soumission, seja dito, se é de dizer. Quer dizer... isso da submissão, é disso que digo. E justamente, falando em insubmisso: Não serão uns míseros 38 que te vão travar. Nem que fossem os 62 do outro lado. E nem sequer os 100 da totalidade. Eu sei, porque conheço-te. E qualquer um que te conheça sabe disso.

Sofisticado teria sido que o processo se tivesse desenrolado inversamente. A saber que estes febris 38 que te acossam, tivessem sido eles a decretar o 38 do % do corte. Digo sofisticado porque, se for pela temperatura, o 36,5 de todos estava garantido. Fora dos casos ditados pela sorte e pelo febrilismo de alguns dentre nós, como no teu caso, que teriam rendido aos esburacados cofres do Estado algumas migalhas extra. Mais para isso era preciso muito mais do que o cérebro do Gaspar. Não chegavam lá incluso fazendo um brainstorming a três com o Melchior e Baltasar, tal é a fraqueza pensamental da nossa troika desgovernativa. E já que estávamos falando de ovos: Por mais que se esforcem – e lembremo-nos que se esforçaram, esforçam-se – os coitados do Pedro e do Paulo, qualquer que seja o seu Barroso/a FMI de acompanhamento, nem capacidade têm para parecer e aparecer como sendo o verdadeiro ovo da serpente...

terça-feira, 13 de agosto de 2013

38 Apeadeiro 3 e 4



38 Apeadeiro 3 - Álvaro, maníssimo


Só a antropofagia nos une, Oswald de Andrade disse a propósito de comer do outro mais que comer o outro – a visão da incorporação de outra qualidade na carne e órgãos de outro. Stanislavski é a mesma coisa, levado ao extremo, o que ele não era – não era extremista de si mesmo nem sequer stanislavskista. Pois esse Avatar parece um Tatcherismo ideo-visivo, o futuro é a privatização e mercantilização generalizadas – o homem é predador de si mesmo já se sabe – mesmo que isso seja para as maiorias e cada um amputação, autoamputação, mas não muita de cada vez – cada um pode comer-se às prestações, escusa de se comer todo de uma vez e assim vai-se aguentando desde que cada amputação renda bem no tempo, mate fome e seja legal, pague o imposto, pois não te comes legalmente sem pagares o IVA da tua carne. Um desperdício evidente, um gajo engolir-se como se fosse um comprimido. Nem dá prazer.

Há um tipo, de que te falei, o Ruzante, de Pádua, que de desespero se quis comer, aliás, quis-se matar. Tentou várias maneiras, pendurar-se, nada, tinha de ir comprar a corda e era caro, atirar-se de um abismo, era muito alto, podia magoar-se e a ideia não era essa, espetar uma faca, nada, estava romba, então descobriu que o melhor era comer-se pois matava a fome e matava-se ao mesmo tempo. E começou pelo polegar do pé direito, muita ginástica, decidiu-se pelos cotovelos, como lá chegar, é o mesmo problema que lavar as partes baixas das costas num banho sério, uma confusão e depois pensou, mas como vou comer a minha própria boca, e maxilares?

Mano, não vi o Avatar, aliás vi o Avatar que me perseguiu. E portanto vi qualquer coisa, tenho imagens na cabeça. Há coisas que não vês mas que vês, mesmo que nada tenhas com elas, elas é que te perseguem e não há armas de defesa dessas perseguições. Ao rever Ginger e Fred ontem, vi bem como um omnipresente cerco publicitário ia impondo outra vida à humanidade artesanal que vivia, tudo publicitado (os painéis da cenografia, pelo extraordinário que são, exageradamente pop-grotescos, lembraram-me o amigo Franco Ceraolo que vi no genérico como assistente do Cenógrafo), isto é, imposto pela ocupação publicitária total dos espaços públicos e íntimos – é um excelente ensaio sobre como a televisão e o lixo televisivo que acabaram por ser só um.

As teses da produção industrial de morte são conhecidas, mas voltam sempre de cara novíssima. Agora é produção Light, morre-se pela destruição da possibilidade da cura, há pouco ainda democraticamente estruturada. Morre-se de falta de medicamento, da destruição da urgência local, da inexistência das especialidades, da cor errada do papelinho da urgência, do que for necessário para pôr as contas públicas no sítio. É industrial light mas não é nem localizada nem é notícia, é generalizada e em todo o território – há bons serviços para os turistas no Algarve?

Notícia são essas mortes nada lights que, em boa verdade, não são assim tão patológicas quanto isso, o puto filho de polícia que mata a família em São Paulo e a quem o pai ensinou a disparar, a miúda que se suicida – 14 anos – porque é perseguida no face….

38 Apeadeiro 4 - Monday morning Fever


38 também é temperatura. E tu, mano, já levas alguns dias rondando-os... desde que voltamos da visita que fizemos juntos ao nosso amigo Franco Ceraolo, italiano dos Açores... terá sido o ar incondicional dos aviões?

Mais ainda: 38 já é febre. E até com um certo calibre. Que dizer então se os 38 foram por fora e por dentro como são nestes dias. Uma verdadeira incubadora. E não precisamente de ideias, como agora tanto gostam dizer os que justamente inventam linguagens novas para que não se de muito na sua falta de ideias, que não passa da reciclagem de palavras. Como o da palavra incubadora. E de incubadora em incubadora, pouco falta para que falemos abertamente em Portugal como incubadora de emigrantes sem rir, assim a secas.

Uma coisa que já lá vá algum tempo tinha pensado e até proposto seriamente a vários irresponsáveis políticos e culturais –  e que diz respeito, já que falo em incubadoras – é a transformação do Teatro Nacional Dona Maria II (TNDM II) num aviário. Faz muito que eu falo nisto. O curioso é que ainda não tenha sido sondado para ministro da cultura (com um tal projecto não poderia ficar-me por ser simples secretario de Estado, e caso viesse a ter sucesso a ascensão a ministro de Estado fica praticamente garantida). Nada. Nem sequer fui proposto para director artístico da dita instituição, e isso que o projecto do aviário e muito mais viável que todos os que estiveram em curso durante os – largos – últimos anos.

Calcule-se: Para começar a incubação de frangos, é cultura. Estando alias absolutamente contra o aborto é pró-vida, sendo então também civilizacionalmente católica. Ou seja que, já desde as suas raízes e fundamentos, tratar-se-ia de um lugar no qual vão de par a Cultura e o Culto. Melhor impossível. Mas muitos outros factores vem somar-se ao projecto e ajudam a perceber a sua real dimensão e potencialidade: Dado o tamanho do edifício, a produção do aviário poderia vir ser, muito provavelmente, uma das maiores, senão a maior do mundo. A localização do imóvel, alias, permitiria fazer dele uma atracão turística, sem contar com o facto que o escoamento seria altamente favorecido pela disposição e topografia da baixa pombalina permitindo uma saída ao Tejo que incluso poderia ser espectacular e vir a dar no centro do cais das Colunas. Uma coisa fluorescente que, inesperadamente, surge de baixo da pedra no meio do cais e colora toda uma parte do rio... mas bom. Isso já é outra etapa. Voltemos ao miolo do assunto.

A magnitude do tal aviário permite entrar com força no mercado e falar de igual a igual, senão de acima a abaixo com Cargill e as duas outras multinacionais que operam e controlam o sector. Nada indica que Portugal, a meio prazo, não esteja em condições de ser o primeiro produtor – e porque não também distribuidor – mundial de aves de consumo, ditando desse modo as leis do mercado, e passando a definir os preços e a margem de lucro. O espectáculo proporcionado pela instalação de um churrasco + spiedo gigantes na fachada que da a praça do Rossio – com venda local, take away e a domicilio, evidentemente – não tem comparação com nenhuma outra programação cultural que possa vir a ser proposta para o local. Imagine-se o prazer de ver no ecrã gigantíssimo que não poderia faltar no nosso complexo alimentario-cultural, um Benfica - Porto, um Portugal – Butão, ou até esperar os resultados das eleições municipais de Gondomar ou Celorico de Basto...